quarta-feira, 23 de maio de 2012

IMA traz debate com Cesare Battisti em Pelotas




No próximo dia 14 de junho, às 19h na Câmara Municipal, Cesare Battisti participará de uma programação organizada pelo Instituto Mário Alves. Em breve, mais informações.


Confira a matéria escrita pelo jornalista Carlos Cogoy sobre o livro "Minha fuga sem fim", publicada no Diário da Manhã, de Pelotas.

Foto: Divulgação

Resistindo ao fascismo, stalinismo e liberais

 No último dia de 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu não conceder extradição ao ex-ativista de esquerda italiano Cesare Battisti. De imediato, vozes conservadoras criticaram a decisão. No tom reacionário, alegações de que se tratava de um “terrorista, assassino, monstro sanguinário”. Mas, a pretensa ameaça aos que se dão bem na injusta realidade brasileira, porém, não se encaixa no perfil pacato do autor de quase duas dezenas de livros. A explicação é simples. Ofensiva da grande mídia, transformou Battisti no inimigo necessário e estratégico, simbolizando a queda de uma era, os escombros da utopia. Essa imagem foi tecida com base em sucessivas safadezas jurídicas. Num processo à revelia, sem provas, ele foi julgado à prisão perpétua na Itália. Como acusação, quatro assassinatos na ebulição política dos anos setenta. Denunciado por ex-companheiros de militância política que, com base nos estatuto dos arrependidos, atenuavam pena ou até conquistavam a liberdade, Battisti já exilado no México, foi o “bode expiatório” para satisfazer fascistas e stalinistas – o PCI à época rejeitava a juventude que renovava a esquerda, tirando a poeira do dogmatismo. Na França, anos noventa, mulher, filhas, atividades como zelador e escritor. Como autor de romances policiais, juridicamente acolhido na era Mitterrand, Battisti encontrara equilíbrio para refazer planos. Como autor, estava conquistando mais leitores, consolidando-se na literatura. Porém, em 2004, no governo Chirac, o inesperado. O poder jurídico francês cedera à pressão política. O judiciário curva-se a interesses dos governos francês e italiano.  Battisti prestes a ser extraditado, trata de fugir pelos subterrâneos de Paris. Inicia-se caçada, numa série de aventuras, diferentes países, personagens, receios e solidão. Nos romances publicados no Brasil, ele reitera a pergunta: “Por que eu?”. Para conhecer a trajetória de Battisti que, em junho estará em Pelotas – promoção do Instituto Mário Alves (IMA) - leitura essencial é o excelente romance autobiográfico “Minha fuga sem fim” (285 páginas) – publicado pela Martins Fontes em 2007.


            INOCENTE? – O prefácio é do filósofo e humanista Bernard-Henri Lévy. Em “Por que o defendo”, Lévy que está longe de ser identificado como pensador de esquerda, evoca a necessidade de justiça. Trecho: “E a primeira dessas precauções não seria ouvir, apenas ouvir, primeiro através deste livro, depois no recinto de um tribunal ante o qual ele comparecesse em pessoa, as palavras daquele que, diante dessas terríveis acusações, não cessa de repetir: ‘pois então, aí é que está... eu fui membro de um grupo armado... recorri à violência... mas acontece que, mat ar, matar mesmo com as minhas próprias mãos, isso não, isso eu nunca fiz...’?”.

           

VIDA NEGOCIADA – Após catorze anos na França, guinada jurídica em 2004. O governo Chirac, que já havia sido alvo de atentado em 2002, endurecera com os refugiados. E a 10 de fevereiro de 2004, Battisti é preso no prédio que residia e trabalhava como zelador. Houve comoção nacional, grupos de apoio, manifestações públicas e a conquista da liberdade a 3 de março. Mas a 30 de junho ainda haveria o veredicto da Câmara de Instrução da Corte de Apelação de Paris. E o resultado foi a extradição. Em capítulos como “A captura”, “A prisão”, “O cerco” e “A evasão”, que integram “Será assim que os homens julgam?” – primeira parte do livro -, o autor revela seu talento literário. Ele narra sobre os vizinhos do prédio que vivia, a solidão, medo e personagens do cotidiano na prisão, o poder da mídia, a solidariedade de amigos e anônimos, a postura dos magistrados e promotores nos tribunais, a euforia com a liberdade, a perseguição e fuga. Sua vida havia sido negociada. Alguns dias após o veredicto na França pela extradição, jornal italiano revelava o teor do acordo com a Itália. “Segundo o redator, em troca de uma opinião favorável da Corte, a Itália estava assinando um acordo para a linha Lyon-Turim do trem-bala, prometia uma participação na compra dos Airbus e um ‘sim’ ao novo Tratado Constitucional Europeu”, escreve Battisti.


Contraponto de Battisti aos quatro assassinatos

            A 9 de maio de 1978 quando o primeiro-ministro italiano Aldo Moro, foi assassinado pelas Brigadas Vermelhas, Cesare Battisti chocou-se e abdicou da luta armada como ação política. Ainda integrante dos Proletários Armados para o Comunismo (PAC) – grupo idealizado por Pietro Mutti em 1976 e dissolvido em 1979 -, que se contrapunha a prática “centralista” e stalinista do Partido Comunista Italiano (PCI), Battisti relata que o grupo havia deliberado “sim à defesa armada, mas não aos atentados que acarretassem morte humana”. No romance autobiográfico, conta que nem as armas que dispunham, estavam em condições: “Num primeiro momento, os membros dos PAC foram os queridinhos das mamães dos bairros mais carentes. Quanto às armas, permaneciam nos esconderijos. Só as pegávamos quando nos provocavam ao extremo. Duas em cada três não funcionavam, era uma sorte os tiras não desconfiarem”.

            PCI – Para contextualizar o ambiente ideológico dos anos setenta, Battisti menciona o PCI como retrógrado, autoritário e em regozijo com as migalhas do poder – não muito diferente do que se observa no Brasil. Ao invés do pragmático Stálin (1878/1953), a jovem esquerda italiana estava empolgada com as ideias de Marcuse, Sartre, Foucault, Deleuze, Gattari, Baudrillard e Horkheimer – “galera” que demorou a ser digerida por aqui. Os PAC, portanto, não obedeciam ao formato “partido” ou centralista. Ao contrário, espraiavam-se através de núcleos. Tal dinâmica, no futuro, turvaria a investigação acerca da autoria de quatro homicídios.

            ACUSAÇÕES – Como reação à morte de Aldo Moro, a Cia. participou diretamente da operação para desmantelar os grupos de esquerda. Houve inúmeros interrogatórios, prisões, torturas e delações. Em junho de 78, é assassinado o guarda penitenciário Antonio Santoro. Battisti deixa os PAC ao final daquele ano. Meses após, em 16 de fevereiro de 79 é morto o joalheiro Pierluggi Torregiani em Milão. No mesmo dia, em Caltana Santa Maria de Sala no Vêneto, é morto o açougueiro Lino Sabbadin – integrante do partido neofascista MSI. O quarto homicídio, reivindicado pelos PAC, é do policial Andrea Campagna e ocorreu a 19 de abril de 1979 em Milão.

            PRISÃO de Battisti - quando já havia deixado os PAC, acontece em junho de 79. Clandestino, vivia num apartamento em Milão. Durante interrogatórios e investigações, jamais foi lhe atribuída autoria de alguns dos quatro assassinatos. Ele estava preso porque havia pertencido ao grupo armado. Em 1981, assustado com a violência da repressão que, tanto destruía emocionalmente os presos quanto provocava sumiços de detentos, Battisti trata de planejar a fuga. Com ajuda de Pietro Mutti e seu novo grupo COLP, consegue evadir e segue para Paris. Após um ano como clandestino, ruma para o México, onde permaneceu até o fim dos anos oitenta.

            DEFESA – Em 1982 acontece a prisão de Mutti e integrantes dos COLP. Interrogados sobre os assassinatos, atribuem a Battisti a autoria. Consta que, antes de delação, tratava-se de estratégia para ganhar tempo, já que Battisti estava foragido e no exterior. Porém, diante da iminência de prisão perpétua, Mutti joga a responsabilidade para Battisti. Com isso, baseando-se em recursos como o estatuto dos arrependidos e “dissociados”, após nove anos ele consegue a liberdade. À revelia e sem provas, Battisti é condenado à prisão perpétua na Itália. Ele defende-se, alegando a “contumácia” – não estava ciente do processo. Além disso, indica inúmeras contradições n as acusações. No caso Santoro, Mutti à época é que estava sendo acusado pelos departamentos de polícia de Milão e carabineiros de Udine. Acusando Battisti, safou-se, tornando-se apenas “cúmplice”. Em relação às mortes do joalheiro Torregiani e do açougueiro Sabbadin, Battisti menciona que desconhece a localização da aldeia deste no Vêneto. O autor confesso foi Giacomin – chefe da ala vêneta dos PAC. Já a morte do joalheiro foi autoria do comando que reunia Massala, Fatone, Grimaldi e Memeo. Coube a Battisti, por conta de Mutti, uma acusação de cumplicidade. Já o policial Campagna em 1979, que teria participado de torturas aos acusados do caso Torregiani, conforme testemunhas, foi morto por “louro” barbudo de 1,90m, perfil que destoa do moreno Battisti de 1,70m. Além disso, familiares das vítimas foram coagidos a identificar Battisti como autor. Balísticas mostraram que não foram usadas as armas que estavam no apartamento de Battisti em Milã o. Ele, bem antes das três últimas mortes, já havia recusado a luta armada e saído dos PAC. Em relação a cartas subscritas, assinadas por Battisti, exames grafológicos comprovaram a autenticidade da identificação mas não do conteúdo. O material foi forjado para mostrar que ele estaria ciente da acusação. No livro, Battisti cita que era praxe à época, deixar papéis assinados, visando posterior necessidade da defesa. Mas os papéis, assinados no mesmo dia, conforme a grafologia, estavam em branco. Como estratégia da acusação, foram sendo toscamente preenchidos para assegurar de que ele estaria ciente dos processos.


Diário de um cão errante

            O romance “Minha fuga sem fim” apresenta prefácio à edição brasileira, e está dividido em duas partes: “Será assim que os homens julgam?”; “Diário de um cão errante”. O posfácio é autoria da escritora Fred Vargas.

            Cláudia, Quem para está perdido, Igouf Ernest, Karine, O talismã e Não aprendia a dizer adeus, são capítulos que integram a segunda parte “Diário de um cão errante”. Recorrendo a terceira pessoa, Battisti mescla ficção e realidade para narrar sobre as situações inusitadas durante a fuga. As viagens, o constante receio de ser preso, a carola sensual, a prostituta nórdica, o sábio etíope. A chegada ao País das novelas, futebol e miséria.

            HISTÓRIA – Battisti nasceu em Sermoneta na Itália em 1954. Filho de pai comunista e mãe católica, desafiava o retrato de Stálin pendurado na sala. “Eu não tinha ainda dez anos e já berrava, no alto-falante do carro dele: ‘Governo ladrão ou ratos fascistas, o lugar de vocês é no esgoto’”, escreve sobre a infância.

            LIVROS publicados no Brasil: Minha fuga sem fim (2007); Ser Bambu (2010); Ao Pé do Muro (2011) – será lançado em Pelotas. Obras do selo ‘Martins’ da editora Martins Fontes.

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