quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Deputados 'céticos' vão monitorar Comissão da Verdade

Integrantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara montam subcomissão para pressionar por investigação efetiva das circunstâncias de crimes cometidos pela ditadura militar. Sem possibilidade de punição de assassinos e torturadores pela Comissão, deputados esperam que investigações tragam à luz o máximo de fatos possíveis.


Céticos em relação à capacidade da Comissão da Verdade sancionada pela presidenta Dilma Rousseff de investigar crimes cometidos pela ditadura militar, deputados da Comissão de Direitos Humanos da Câmara instalaram, nesta terça-feira (13), uma subcomissão para fazer o acompanhamento externo dos trabalhos.

Sem meias palavras, a presidenta da Comissão de Direitos Humanos, Manuela D'Ávila (PCdoB-RS), foi bastante clara sobre os propósitos do grupo. “O ponto nevrálgico que nós leva a criar esta subcomissão é estabelecer toda a pressão política possível para fazer a Comissão da Verdade, de fato, funcionar”, afirmou.

Para comandar a subcomissão, foi escolhida a deputada Luíza Erundina (PSB-SP), que foi contra a lei da Comissão da Verdade porque não haverá punição a assassinos e torturadores. “Nós queremos ser a ponte entre a sociedade e a Comissão da Verdade, ajudando-a a acumular forças para levar seu trabalho às últimas consequências”, disse.

A crítica das parlamentares à Comissão, criada pela Lei 12.528, de 18 de novembro, é conhecida e reverbera a opinião de parte considerável das instituições de defesa dos direitos humanos, em especial as que reúnem familiares das vítimas da ditadura.

Para este grupo, a lei aprovada foi a possível, não a desejada. “É um instrumento de caráter muito restrito. São apenas sete membros para investigar 42 anos de história em um país deste tamanho, sem recursos suficientes para tal”, afirmou Erundina.

A deputada acredita que a subcomissão, ao contrário, terá mais liberdade e estrutura logística para trabalhar. Oito deputados participarão como membros, mas aspectos como orçamento, número de servidores auxiliares, dentre outros, ainda não foram discutidas.

A deputada aposta que, se conquistar apoio popular, a subcomissão poderá se transformar no instrumento político capaz, por exemplo, de rever a Lei de Anistia, perpetuada após ter sido julgada constitucional pela Supremo Tribunal Federal (STF) e de cobrar do governo a abertura total e imediata dos arquivos da ditadura que, conforme decreto assinado em pela presidenta, permanecerão em sigilo por mais 25 anos.

Com um otimismo contagiante, Erundina propõe como foco inicial dos trabalhos a Operação Condor, articulação entre governos dos Estados Unidos e da América do Sul para perseguir e eliminar ativistas de esquerdas, considerada uma das mais sangrentas ações de terrorismo de Estado já registrada na história, e na qual o Brasil teve papel decisivo. “Contaremos também com a experiência dos países vizinhos, em especial da Argentina, que é uma espécie de modelo para nós”, explicou.

Cooperação internacional
O deputado argentino Juan Cabandié, que participou do ato de instalação, relatou a experiência de seu país que, não só vem investigando a história dos chamados anos de chumbo, como punindo rigorosamente os culpados. “Já condenamos cerca de 800 agentes da ditadura e ainda temos de 600 a 800 por condenar”, relata.

Cabandié, que é filho de uma ativista política desaparecida durante o regime, foi roubado de sua mãe com apenas 20 dias de vida, quando ela estava em uma prisão clandestina, e criado pela família de um militar.

“Os brasileiros têm que construir um relato sobre o que foi o período da ditadura. Precisam contar às novas gerações que o objetivo principal das ditaduras na latinoamericano era o poder econômico. E que, por isso, milhares de pessoas morreram, desapareceram e foram torturadas no continente”.

Para o ativista político Jair Krischke, o Brasil vive uma transição democrática há muitos anos, que parece não terminar nunca. “Nós só podemos pensar em uma democracia consolidada, se toda essa questão for esclarecida. Temos que chegar ao final, e isso só será possível conhecendo a verdade”.

Fiapo de esperança
Autor de livros considerados referências sobre o tema, o jornalista Luiz Cláudio Cunha se diz bastante descrente em relação ao trabalho que será desenvolvido pela Comissão Nacional da Verdade, aprovada pelo Congresso, sancionada pela presidenta e que, agora, aguarda designação dos setes membros que irão compô-la.

“A instalação desta subcomissão nos dá um fiapo de esperança de que a Comissão Nacional possa funcionar. Nós passamos 16 anos com dois presidentes com origem na esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, sem que nenhum deles fizesse um movimento sequer para elucidar o que houve na ditadura. Agora que temos uma presidenta mulher, ex-torturada, ex-guerrilheira, o primeiro movimento parece já sair enfraquecido”, afirmou.

Na opinião do jornalista, a Comissão da Verdade possui poderes muito restritos para apurar a verdade, e nenhum para punir os culpados. Conforme ele, os demais países da América Latina já instalaram suas comissões há muitos anos, punindo culpados e promovendo a justiça social. “A nossa será instalada só no ano que vem para investigar 43 anos em dois anos, com recurso capengas. Se não houver pressão da sociedade e da imprensa mais consciente, nada vai acontecer”, acrescentou.

[Najla Passos - Carta Maior]

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